quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Pequena história de cordel

Roberts mata displicentemente a sua esposa apertando-lhe e partido-lhe o pescoço e atirando-a da janela do seu 10º andar na esperança de não ser descoberto visto o corpo estar esmigalhado após a violenta queda que sofrera. Claro que é descoberto. No entanto Roberts vive tranquilamente com uma outra mulher por quem se apaixonara, com a consciência tranquila, aguardando apenas o momento em que seria preso. No entanto a delegação médica conclui que a morte de Deborah, a mulher, se deve exclusivamente a suicídio. Deborah, descontente com a vida teria resolvido terminar a sua agonia atirando-se da janela. Roberts finalmente descontrai, já não precisava de se preocupar, já não seria descoberto. E escreve assim:

"No meio de tudo, liberto do cansaço e da tensão e do esgotamento de todas as mentiras que dissera naquele dia, como uma prenda que não merecia, essa nova vida principiou mais uma vez em mim, doce e perigosa, muito dura de seguir, levantei-me com ela, para começar a voar e descer às rosas lavadas pelas lágrimas do mar, também lustrais para mim à medida que me submergia, encontrei uma cornucópia da abundância de carne e pesar, um pesar escaldante, e aquelas asas encontravam-se no quarto, claras e delicadas como um propósito nobre, a sua doce presença falava do sinificado do amor aos que o haviam traído; sim compreendi o significado e, porque agora sabia, disse:
- Temos de ser bons.
Com o que pretendia significar que tínhamos de ser corajosos.
- Eu sei. - sussurrou Cherry. E após um silêncio, repetiu: - Eu sei."

Norman Mailer, Um Sonho Americano

(os sublinhados são meus, são pequenas chamadas de atenção)

Roberts safou-se.

Esta história de cordel poderia ter-me passado ao lado se eu já não sentisse as marcas de dedos no meu pescoço.

É assim.

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